sexta-feira, 24 de julho de 2009

anedotas de um dia-a-dia diferente...

No outro dia conversava com um amiga que me dizia que achava pura e simplesmente surrealista certos acontecimentos do meu dia-a-dia...e que me dizia que achava pertinente que os exprimisse publicamente para que outros percebessem o que é complicado viver sentado numa cadeira de rodas.
Note-se que não estou aqui a fazer o apelo à piedade... até porque quem me conhece bem sabe que eu sou a primeira a rir e muito com as "desgraças" que me acontecem.
Mas voltando ao início, decidi então partilhar convosco, os que têm a bondade e a paciência de me lerem as minhas aventuras e desventuras.
Começou tudo com o meu acidente. Com o dia do acidente. Depois de ter sído desencarcerada...depois de ter estado MEIA HORA, leram bem, meia hora à espera dos bombeiros e da polícia ( Na estrada da fábrica Central de Cervejas, perto de Vialonga, da Póvoa de Sta Iria, de Alverca, do Forte da Casa...), e de os bombeiros ( que foram uns queridos, extremamente eficientes e cuidadosos no seu trabalho, da corporação de Vialonga, a quem agradeço publicamente toda a simpatia e cuidado ) estarem desesperados ao telefone ( telemóvel pessoal, por acaso, dos próprios) e de não haver INEM desponível para assistir uma vítima de acidente de viação, encarcerada e em paragem cárdio-respiratória ( moi, eu, a je), porque tinha começado o Euro 2004 e estava tudo em Lisboa, de terem decidido que mal por mal mais valia levarem-me para Vila Franca porque estava mais perto.
Coitados, eles tinham as melhores das intenções...
mas pronto, lá segui eu a oxigénio, completamente imobilizada para Vila Franca de Xira.
Entrada na sala cuidados intensivos..."sabe o seu nome?" Lá disse eu o nome..." Então vai para o rx e para as urgências porque não tem sangue nem feridas visíveis".
Toca a tirar tudo o que me imobilizava, não interessava se estava algo partido, interessava era tirar...e atirar-me literalmente para cima de uma maca.
Chegada ao Rx, fui literalmente atirada para cima da maca, porque me queriam de pé...e eu não me conseguia levantar.
Volta para as urgências.
Fui posta a soro, maca nas urgências..."está bem?" Tinha dores...normal, diziam-me.
passou uma, duas horas, visita dos amigos que trabalham no hospital "precisas de alguma coisa? " Eu precisava de sair era daqui...ou que algum médico me visse, também era bom.
"Olhe, não tem nada partido"...então e TAC? "Pois não temos, mas ficamos aqui a observá-la".
Aqui?! Em Vila Franca? Sem Tac? Pronto, está bem.
Pais e marido lá fora.
Sem notícias.
Passou mais uma, duas horas...visita do marido... dos pais...
Mais outra hora, mais outra...Então que raio, nenhum médico me vem ver?
pronto, estou aqui á mais de oito horas deitada numa maca, a soro. Tirem-me daqui!!
"Então vai para casa" Para casa? mas o que tenho afinal? Não me mexo...
"Ah, está dorida, é normal." Dorida?! Afinal quando posso voltar a conduzir? " Daqui a uma semana, mais coisa menos coisa. Leva aqui o Ben-U-ron para as dores e daqui a uma semana está fina".
Ok. Casa. Mas não me levanto...Tudo bem, os bombeiros levam-me.
" Olha lá, tu põe mas é um colar cervical, não te mexas mais, compra uma arrastadeira e vai a um médico bom, porque tens aí porcaria da grossa" diz-me uma bombeira amiga que me foi buscar da corporação de Vila Franca de Xira.
Assim fiz. Deitada sempre. Dores horríveis. ben-U-ron? Eu quero é um médico decente.
Ok, vais ao teu ortopedista. Deitada. Numa maca de imobilização.
Uma vez ao médico. Mas eu urino-me toda, não mexo as pernas...
Vou ser vista por um neurologista...
" Chamem já um neuro cirurgião"!!
" Vai já de urgência para S. José!"
Urgência? mas já passou mais de uma semana...
S. José! Internada no S.O.
Estava de facto mal. Primeiros Tac...Primeiras ressonâncias...
Esqueceram-se de mim 4 horas na Ressonância magnética...Esqueceram-se de me ir buscar. O meu marido deu por minha falta...se não fosse isso...
Pronto, agora estou internada em Vertebro-medular. Espera lá, é só gente paraplégica e tetraplégica...mas afinal o q se passa comigo?
Dias a fio...internada...sem saber o que tenho..." Não mexe os pés"..." Não reage ás picadas"...
E o almoço, minha gente? Comidinha inteira para quem estava imobilizada num aparelho...tão bom!
O que vale é que o meu marido me dá de comer todos os dias...coitado, vem só para me dar de comer ao almoço, vai a correr trabalhar e volta ao fim do dia.
E então? " Vêm fazer-lhe fisio"
Ok, deve ser bom.
"Afinal volta para Vila Franca e eles que a mandem para Alcoitão".
Para Alcoitão? Mas que raio tenho afinal?
"Vai já hoje." se me mandam para Vila Franca ainda vou hoje para casa. "Para casa? Não. para Alcoitão!"
Pois, se eu não conhece-se o nosso hospital...
Entrada em Vila Franca. Bata de S. José vestida. Triagem! Triagem? Mas eu venho de S. José!
Triagem! 4 horas na triagem...desculpem, isto não é normal...
" Então e agora'" pergunta o Ortopedista..."Agora não sei, não temos Neurocirurgia" diz a médica de medicina Interna...e eu a olhar e a sorrir...vou para casa, penso eu.
" Então, tens que ser tu a observá-la", diz o ortopedista. " Eu?! "grita a colega de Medicina Interna. Olhem que engraçado, 20 minutos aos gritos...
Ai, ela vem-me auscultar?! Auscultar?! mas eu não tenho nada respiratório!!
" Pronto, já a observei, vai para casa".
PARA CASA?! VOU PARA CASA?! Mas eu não me posso sentar, estou algaliada, não urino sozinha...VOU PARA CASA?!
"Então, vai para casa e a seguir vai à sua médica de família"...
E vim para casa...
E estou paraplégica. Lesão na medula. Com comprometimento dos esfinters da bexiga e do anús.
Irreversível.
Nada a fazer.
Juro que tudo isto que relatei é a mais pura verdade.
E assim passou toda a vida num só dia...

4 comentários:

  1. Safa, Nela, ainda tiveste mais azar do que eu! Acredito plenamente, porque a mim já me aconteceram coisas surrealistas... Mas nem te operaram em S. José, na UVM? Não chegaste a ir para Alcoitão?
    É revoltante a forma como tratam as pessoas, sem lhes dizerem o que têm... A minha "sorte" é que questiono tudo o que os médicos fazem e, quando me irritam, ainda grito mais do que eles e ameaço-os com processos! Eheh!
    Além disso, os médicos e enfermeiros falam, muitas vezes, como se a pessoa não estivesse presente... Nessa altura digo-lhes que sou deficiente motora e não deficiente mental...
    Eles não têm grande sorte comigo!
    Que karma tens! Beijinhos, com muito carinho!

    ResponderEliminar
  2. Carago! Deves ter passado um bom bocado! Pelo que entendi, foi de «Anás para Caifaz», e no final todos «lavaram as mãos»! Mesmo os factos relatados terem 5anos(?), é triste constatar que actualmente nada mudou.
    Um abraço
    Jorge

    ResponderEliminar
  3. E de louvar e de ficar admirado como conta isto não só com o humor de quem como eu já a conhece a algum tempo sabe que é assim, mas com um a vontade como se tivessse sido a coisa mais natural deste Mundo quando a sua Vida nesse dia mudou para sempre e deu uma volta de 360.ª graus e por todos estes motivos e que tem a minha admiração, o meu carinho, o meu respeito pela sua forma de estar e de viver a Vida bem diferente de muitos que poderiam se tornar em algo completamente oposto, o meu Obrigado e bem haja por isso.

    ResponderEliminar
  4. Não sabia dos detalhes, Manuela :|
    Fiquei apertadinho, muito apertadinho...

    ResponderEliminar