domingo, 4 de novembro de 2012

Vocacional: a via da inclusão ou da exclusão? Por Andreia Lobo

Dar uma resposta educativa aos alunos de 13 anos com maiores dificuldades do ensino regular parece ser o objetivo da criação da nova modalidade vocacional. Na União Europeia a discussão sobre a criação de cursos vocacionais faz-se em torno das suas consequências sociais para os alunos: inclusão ou exclusão?
Cerca de 50% dos alunos dos países da União Europeia escolhem vias profissionais e profissionalizantes, ou seja, vocacionais. Mas a percentagem reflete alunos que por dificuldades de aprendizagem saíram das vias regulares, garantem os especialistas nesta área. São, pelo contrário, sinónimo do prestígio e qualidade de ensino atingida lá fora por estes cursos. Portugal tem figurado nas estatísticas como detendo mais alunos a frequentar o ensino geral em detrimento do profissional. Mas o cenário pode vir a mudar.

O início do ano letivo de 2012/2013 foi marcado pela criação da modalidade de ensino vocacional no 2.º e 3.º ciclos. Segundo dados do CEDEFOP, organismo europeu que monitoriza a educação e formação de adultos, na maioria dos países da EU, estas vias de ensino são introduzidas ao nível do secundário superior (10.º, 11.º, 12.º anos) e, em menor número, no secundário inferior (7.º, 8.º, 9.º anos).

Por cá, o Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, estabeleceu os princípios orientadores desta nova oferta formativa que funcionará este ano letivo enquanto experiência-piloto em 12 escolas pública e privadas do país. Mas o objetivo do Ministério da Educação e Ciência (MEC) é alargar a oferta a outros agrupamentos a partir de 2013/2014.

Opção ou punição?O ensino básico vocacional foi pensado para os alunos a partir dos 13 anos de idade que, segundo o diploma, "manifestem constrangimentos com os estudos do ensino regular e procurem uma alternativa a este tipo de ensino". Em especial, os "alunos que tiveram duas retenções no mesmo ciclo ou três retenções em ciclos diferentes". Mas a opção de fazer do ensino vocacional uma alternativa para os alunos repetentes tem levantado muitas dúvidas entre os especialistas da educação. A questão é simples: poderão outros alunos com sucesso escolar também optar por esta via?

Mesmo para quem tem "constrangimentos" nos estudos, o encaminhamento não é obrigatório e exige o acordo dos pais, garante o MEC. Ainda assim, só pode ser feito após "um processo de avaliação vocacional, por psicólogos escolares, que mostre ser esta a via mais adequada às necessidades de formação dos alunos", diz o diploma.

Entretanto, em comunicado na sua página oficial, o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Telmo Mourinho Baptista, alertou para a possibilidade de a oferta ser mal recebida: "Caso os cursos sejam percecionados pelos alunos, pelos pais e pela comunidade como um elemento punitivo do insucesso escolar, a medida corre o risco de se tornar prejudicial." E frisou a importância do envolvimento dos psicólogos para garantir que tanto os pais como os alunos estejam "devidamente informados sobre as várias alternativas de ensino e respetivas implicações na vida escolar profissional e dos jovens".

Do lado das escolas, os diretores reclamaram há semanas junto do ministro Nuno Crato, mais autonomia na decisão sobre quais os alunos a encaminhar para o ensino vocacional e a deixar seguir o regular. Em declarações ao Diário Económico, o coordenador do Conselho de Escolas, Manuel Esperança, pediu "vontade política" para entregar às direções das escolas a responsabilidade da orientação do aluno e sugeriu a criação de "critérios nacionais" que impeçam a frequência do ensino regular a alunos que não tenham aproveitamento às disciplinas de Português e Matemática ao longo de vários anos letivos.

Currículo geral e prática simuladaTanto no 2.º como no 3.º ciclos, o plano de estudos do ensino básico vocacional é modular e contempla disciplinas de formação geral (Português, Matemática, Inglês e Educação Física), complementar (História e Geografia, Ciências Naturais, Físico-Química e uma segunda língua, não obrigatória, apenas no 3.º ciclo) e vocacional (atividades vocacionais e prática simulada).

Em termos de carga horária, a formação geral terá um total anula de 400 horas efetivas, no 2.º ciclo e de 350 no 3.º ciclo. As disciplinas complementares perfazem um total de 130 e 180, em cada um dos ciclos, respetivamente. Por último, a componente vocacional terá em ambos os ciclos uma duração de 360 horas dedicadas às atividades vocacionais e 210 horas para a prática simulada, preferencialmente, em empresas.

Das três componentes, a vocacional será, porventura, a que levantará mais dúvidas aos pais e alunos. É também a que distingue estes cursos e a que apresenta menos definições legais. Ao definir o objetivo da criação desta modalidade, o MEC esclarece no decreto-lei que esta deve levar os jovens a "desenvolver capacidades práticas que facilitem futuramente a sua integração no mundo do trabalho".

Sem duração fixa estabelecida, o diploma estabelece que os cursos devem ser adaptados "ao perfil de conhecimentos do conjunto de alunos" que neles estiver reunido. Caberá às escolas escolher o tipo de atividades vocacionais destes cursos, "desde que cumpridas as metas e perfis de saída". Qualquer que sejam as ofertas, o MEC pretende que "se articulem as necessidades e expectativas [do aluno], com os projetos educativos da escola e com as características do tecido empresarial".

Retorno ao nível geral de ensino Na União Europeia, muita da discussão em torno do ensino vocacional se faz tendo em conta o grau de integração que esta via proporciona no nível de ensino geral e a possibilidade de continuação dos estudos no ensino superior, garante o CEDEFOP, no mais recente relatório publicado sobre educação e formação vocacional inicial [IVET -Initial Vocational Education and Training].

Em causa está a possibilidade de o aluno ser transferido para o ensino geral tendo optado anteriormente por uma via profissional ou profissionalizante (vocacional). Em Portugal, o recém-criado ensino básico vocacional assegura o prosseguimento de estudos, mas determina algumas regras para que um aluno possa regressar à via regular, após a conclusão do 6.º ano e do 9.º ano.

Assim, os alunos que terminem o 6.º ano no ensino vocacional podem voltar ao regular desde que tenham aproveitamento nas provas finais nacionais do respetivo ano. Bem mais fácil, é a continuidade dos estudos na via vocacional. A passagem para o 7.º ano na via vocacional não requer a realização das provas nacionais, apenas que o aluno tenha concluído 70% dos módulos lecionados no conjunto das disciplinas da componente geral e complementar, mas obriga a 100% de sucesso na componente vocacional.

Já os alunos dos cursos vocacionais que concluam o 9.º ano podem optar, para além das vias regular e vocacional, também pelo ensino profissional. De novo, a transferência para o ensino secundário regular implica aproveitamento nas provas finais nacionais do 9.º ano. Continuar na via vocacional no secundário (ainda sem regulamentação) será também mais fácil. As regras são iguais às estabelecidas para o acesso ao 7.º ano: não é necessária a realização das provas nacionais, tendo os alunos apenas de conseguir aproveitamento em 70% dos módulos geral e complementar e a 100% na componente vocacional. Por fim, a transferência para o ensino profissional secundário implica apenas o aproveitamento a todos os módulos do curso.

Independentemente do número de módulos concluídos com aproveitamento, os alunos dos cursos vocacionais podem sempre candidatar-se às provas finais nacionais.

Integração no mundo laboralLigar a escola às empresas parece ser uma condição essencial, ainda que não obrigatória, para o cumprimento dos objetivos propostos pela criação da via vocacional. A ligação tem por finalidade "sensibilizar os jovens para a realidade empresarial envolvente e possibilitar o estreitamento entre os universos empresarial e escolar".

No Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, o MEC determina que "serão estabelecidas parcerias entre as direções regionais de educação, os agrupamentos de escolas e as escolas privadas [que compõem já a experiência-piloto que arrancou este ano] e empresas, entidades ou instituições sediadas na área geográfica respetiva". Do diploma para as escolas, a importância da ligação ao mercado de trabalho vai depender da variedade dos programas profissionalizantes oferecidos aos alunos.

Recentemente, no relatório "Os jovens e as competências: pôr a educação a trabalhar", a UNESCO alertou para o risco de exclusão dos alunos que optam pelo ensino vocacional. Agregar em turmas vocacionais os alunos com insucesso escolar aumenta a desigualdade social, garante a organização. Sobretudo pelo facto de muitos destes cursos não agradarem aos empresários.

No relatório, a UNESCO condena ainda a diminuição do investimento em educação na sequência da crise financeira mundial que desde 2008 dita reduções orçamentais a vários níveis no setor público. Por outro lado, o documento relembra que face à atual situação económica, geradora de níveis de desemprego nunca antes registados, sobretudo entre os jovens, aumenta a necessidade de adequar as aprendizagens escolares ao mundo do trabalho.

Por cá, só o futuro dirá qual o impacto do ensino vocacional na economia portuguesa. Quanto aos resultados da experiência-piloto que decorre em 12 escolas do país, o MEC constituiu no final de outubro um grupo de trabalho para avaliar todos os cursos. Os resultados serão conhecidos já no final deste ano letivo. 

Sem comentários:

Enviar um comentário