Hugo Maia tem 33 anos e tirou o curso profissional de Informática. Desde Abril de 2005 trabalha na Nokia Siemens Networks, desempenhando funções de Técnico Especialista de Redes de Transmissão. O Desporto é também uma componente muito importante na sua vida: já foi campeão europeu em representação da Selecção Nacional de Basquetebol em cadeira de rodas e integra a equipa GDD-Alcoitão. Desloca-se em cadeira de rodas devido a um atropelamento por um comboio aos 17 anos.
Associação Salvador (AS): Descreva-nos como é o seu dia-a-dia de trabalho?
Hugo Maia (HM): Posso dizer que os dias são dias preenchidos e vividos com uma enorme energia. O nível de responsabilidade resulta por vezes em algum stress mas a interação a nível técnico torna-a gratificante e motivadora. Trabalho no Centro Global de Operações de Rede da Nokia Siemens Networks Portugal e atualmente estou inserido num Projeto de Supervisão de Redes de Transmissão e de Dados, no qual presto suporte técnico a um Operador Espanhol. Em paralelo e sempre que necessário, sou também responsável por organizar e dar Formação de novos equipamentos e tecnologias de Comunicação e Transmissão.
AS: Como surgiu esta oportunidade de trabalho?
HM: Esta oportunidade de trabalho e nova área profissional surge no final de 1999. Numa altura em que se verificou uma expansão no sector das telecomunicações, fui contratado para integrar a Equipa de Supervisão de Rede de Transmissão da atual Nokia Siemens Networks, prestando serviços a um operador nacional.
Confesso que inicialmente estava um pouco preocupado com a adaptação a uma nova área técnica, uma vez que a minha formação de base e âmbito profissional anterior eram na área de Design Gráfico, Web Design e Programação. No entanto e talvez devido à minha experiência em várias especialidades técnicas do ramo da informática, adaptei-me facilmente às Tecnologias de Comunicações e felizmente consegui progredir na minha carreira.
Durante quatro anos fiz Supervisão em regime de turnos e fui promovido para a equipa de Operação de Rede. Um ano mais tarde sou contratado para a equipa de Operação de Redes de Transmissão do operador a quem prestava serviços e passados alguns meses regresso à Nokia Siemens Networks com o projeto onde estava inserido.
AS: Em termos de acessibilidades, o local de trabalho está perfeitamente adaptado?
HM: Conheço a empresa desde 1999 (onde tive as minhas primeiras formações na área das Telecomunicações) e já nessa altura a reconheci como uma entidade consciente relativamente a acessibilidades - e não me refiro apenas a adaptações genéricas em alguns locais centrais dos vários edifícios.
Desde 2005 que os departamentos responsáveis têm sido muito recetivos a sugestões de adaptação. Foi montada uma porta junto aos torniquetes de acesso, de modo a facilitar a passagem ao parqueamento reservado a colaboradores com mobilidade reduzida. Noutro edifício foi instalada uma plataforma elevatória de exterior que me permite ultrapassar uma barreira de 6 degraus e utilizar assim o mesmo acesso direto que outros colegas em vez de recorrer a percursos alternativos. Ainda - algo tão simples como a colocação de um tapete na saída de uma porta, para que o acesso à mesma ficasse mais nivelado, foi resolvido após um pedido interno.
A Nokia Siemens Networks, uma empresa consciente nesta temática e que não utiliza a Responsabilidade Social apenas como uma estratégia de marketing ou como pré-requisito para atingir certificações de qualidade.
AS: Teve outros empregos anteriormente. Que funções desempenhava? Pode descrever-nos como tem sido o seu percurso profissional?
HM: Para além de algumas iniciativas como freelancer na área de Manutenção de Equipamentos Informáticos, Design Gráfico e Web Design, trabalhei também em part-time no Suporte Técnico ADSL da Telepac/PT e posteriormente em Suporte a Software na Microsoft através da Teleman.
AS: Houve alguma situação em que não tenha ido a uma entrevista de emprego, por exemplo, por falta de acessibilidades? Este tipo de obstáculos dificulta a integração profissional de quem tem mobilidade reduzida?
HM: Houve muitos contactos que recebi para agendamento de entrevistas em que questionei a existência de acessibilidades ou a ausência de barreiras arquitetónicas. Até hoje questiono-me se seria muito azar meu ou se de facto seria possível existirem tantas empresas sem qualquer tipo de acessibilidades.
Este tipo de obstáculos dificulta muito a integração profissional de pessoas com mobilidade reduzida, já que retira à partida qualquer grau de igualdade nas candidaturas, relativamente a outros candidatos, mesmo existindo a possibilidade de serem profissionais mais competentes e dedicados.
Por vezes, quando certas empresas com instalações sem acessibilidades são abordadas relativamente aos apoios existentes na adaptação e criação das mesmas, não encaram esta intervenção como uma melhoria e uma resposta a eventuais necessidades futuras, mas sim como um transtorno que poderá comprometer o bom funcionamento da atividade da empresa.
AS: Da sua experiência, sentiu alguma vez que, nas empresas, quem realiza as entrevistas possa ter ideias estereotipadas sobre a deficiência motora e as capacidades das pessoas com mobilidade reduzida? Se sim, como dar a volta a essa situação?
HM: Infelizmente, julgo que ainda acontece e com mais frequência do que muitos possam imaginar. A situação melhorou, comparativamente há 14 anos atrás, quando comecei a procurar de emprego, mas ainda se verifica.
No início da minha "aventura" no mercado de trabalho, apesar de já me deslocar de comboio, tinha plena noção das dificuldades ao nível de barreiras arquitetónicas com que me poderia deparar, numa simples deslocação a uma entrevista de emprego. Vi-me obrigado em alguns contactos de pequenas e médias empresas a questioná-los sobre a existência de acessibilidades no interior da empresa ou, inclusive, no acesso à mesma. A recetividade ou o interesse das empresas na entrevista para a contratação diminuía consideravelmente e, na maioria das situações, nem houve entrevista.
Para além de eventuais barreiras arquitetónicas que estas empresas pudessem ter nas suas instalações, julgo que na maioria das situações a barreira que de facto impedia o meu acesso à empresa em questão seria uma barreira social, barreiras de mentalidades que confundiam facilmente o termo deficiente com o não eficiente.
Apesar de vivermos uma realidade consideravelmente diferente nos dias de hoje, e de terem surgido novos termos como "pessoa com mobilidade condicionada ou reduzida", a pessoa com deficiência continua a ser considerada "uma carga de trabalhos", um colaborador pouco eficaz, quando deveria ser considerada uma mais valia dados os benefícios fiscais para as empresas e o grau de auto-motivação e persistência para desafios ou dificuldades que estas pessoas normalmente têm.
AS: Alguma vez recorreu a algum apoio por parte do Instituto de Emprego e Formação Profissional para procurar emprego? Por exemplo, apoio à eliminação de barreiras arquitetónicas, ou outras?
HM: Estive inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional até ter conseguido o emprego em 1999. Felizmente, não foi necessário recorrer a nenhum apoio à eliminação de barreiras.
AS: O desporto é muito importante na sua vida. Como surgiu o basquetebol na sua vida? Continua a jogar, neste momento?
O basquetebol em cadeira de rodas surge em 1997, meses depois de ter terminado o meu processo de reabilitação física e adaptação a próteses no Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão.
Na verdade, procurava o Atletismo em cadeira de rodas, mas a modalidade já não era praticada no clube APD-Sintra. Como alternativa, o responsável da altura, Victor Sousa deu-me a conhecer o Basquetebol em cadeira de rodas num treino da equipa. Familiarizei-me com a expressão "Amor à primeira vista" e apaixonei-me por esta modalidade que me trouxe mais auto-estima, melhor condição física e mais de 20 títulos a nível nacional e um título de Campeão Europeu em representação da Selecção Nacional de Basquetebol em cadeira de rodas.
Actualmente continuo a jogar. Desde a época passada integro uma nova equipa - a GDD-Alcoitão - para onde me transferi de modo a ajudar o clube a voltar aos seus tempos de glória e criar a mim próprio novos desafios a ultrapassar.
Fora de terra firme obtive recentemente a certificação Open Water Diver que me permite mergulhar de forma independente com garrafa. Brevemente, pretendo experimentar o ski adaptado.
HM: Que mensagem gostaria de deixar a outras pessoas com mobilidade reduzida que neste momento têm o desafio de mostrar o seu valor e integrar o mercado de trabalho?
O mercado de trabalho continua a não ser uma zona de igualdade e de conforto para pessoas com mobilidade reduzida, embora a receptividade das empresas tenha vindo a melhorar com o passar dos anos. O cenário da crise económica não ajuda, de todo, esta situação.
O único conselho que posso deixar será nunca desistir, por muitas dificuldades que surjam, por muitas respostas negativas que recebam. Apostar nas habilitações literárias e numa atividade física ou modalidade desportiva que melhora não só a nossa saúde como também a condição física, passa uma imagem positiva de perseverança.
A discriminação existe e baixar os braços a cada obstáculo que surja cria-nos mais dificuldades na procura de emprego. Determinação, confiança, amor-próprio e o acreditar no nosso valor são fatores imprescindíveis e importantíssimos.
Fonte: Associação Salvador
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