quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

E como se leva?

Desde que dei a entrevista, que me tenho lembrado de muita coisa que disse e que não saiu publicada. Também em 2 horas de entrevista teria que ficar muita coisa pelo caminho.
Perguntava-me a Ana, a jornalista que me fez a entrevista, e como se leva?
Eu respondi que não se leva, vai-se levando.
Tal como vinha na capa do jornal, eu disse e digo que naquele momento, naquele acidente eu morri e renasci...
E porquê falar nisto agora? Porque muita gente se indigna quando eu digo que morri...porque muita gente continua sem perceber que não é uma questão de bravura nem de coragem, mas sim de sobrevivência...e porque muita gente não sabe sequer como ultrapassar porque ninguém nos diz como nem ensina. Foi por isso que decidi expor-me, é por isso que escrevo, pela vontade de ajudar outros como eu a "andar", a seguir para a frente, e ao mesmo tempo ajudar os "cegos" sociais a ver como vive a outra parte, aquela que não corre, não sente a areia nos pés, não distingue a luz das trevas, não conhece senão o som do silêncio.
Não quero ter a veleidade de saber tudo, nem de ter soluções, apenas testemunhar e com o meu testemunho poder tocar os outros
E posta toda esta introdução chata, voltamos ao assunto inicial.
E como se leva?
Não se leva, nem se ultrapassa. Vive-se um dia a seguir ao outro. Tal como numa morte, o acidente é o momento. Esse momento, em que perdemos um ente querido, não passa disso, do momento. O complicado não é aí, é recomeçar a viver. Fazer o luto. Eu costumo dizer muitas vezes que um acidente como o meu, que nos transforma noutra pessoa, deve ser vista como uma morte. E para seguirmos em frente temos que fazer também o luto. O processo de luto não é algo linear, muito pelo contrário, envolve uma série de etapas ou componentes sequenciais, que lhe estão inerentes. Choque – reacção inicial à perda do objecto (pessoa ou coisa significativa), na qual o sujeito fica “atordoado” com o acontecido; Negação – Mecanismo de defesa que a própria pessoa utiliza de forma inconsciente e que a leva a não acreditar ou a não querer acreditar no que aconteceu. Geralmente a pessoa usa expressões do tipo “Eu não acredito que isto me tenha acontecido”, “não pode ser possível”; Depressão – etapa em que a pessoa já teve alguma tomada de consciência do que aconteceu e por isso, sente-se frequentemente triste, chora intensamente, não tem prazer nas actividades, pensa recorrentemente acerca da morte e no ente falecido, isola-se. Estes sintomas se forem muito intensos e persistirem no tempo, podem ser sinal de uma perturbação de humor; Culpa – é um sentimento muito comum. As pessoas começam a pensar em tudo o que poderiam ter dito ou feito para impedir essa morte. Por outro lado, a culpa também como surgir em consequência do alívio pela morte de alguém que nos era muito querido mas que estava a sofrer. Por exemplo, morte de uma pessoa com uma doença terminal que estava num estado de sofrimento intenso. Ansiedade – está associada a um período de agitação e ânsia pelo que foi perdido. O sujeito muitas vezes deseja encontrar a pessoa falecida, mesmo sabendo que é impossível e pelo que, não consegue relaxar; Agressividade – em alguns casos, o indivíduo revolta-se contra a perda, isto é, sente-se muito zangado e irritado por estar a viver aquela situação. Este sentimento pode ser virado para si mesmo ou para os outros (por exemplo, para os médicos que não conseguiram salvar a pessoa amada, para Deus ou para amigos ou outras pessoas significativas);Reintegração –é geralmente a última etapa do processo, na qual a pessoa volta à “vida normal”.
Fui mais chata a descrever as fases do processo de luto, porque muita gente quando se fala em fazer o luto não sabe exactamente do que se trata.
Mas é isto. fazer o luto do que morreu, do que fomos. Porque não se iludam os mais crédulos, não mais voltamos a ser os mesmos. Eu não sou a mesma. Nem nunca o voltarei a ser.
Tal como numa morte, não é o momento o mais difícil. É o dia seguinte. E o outro. E o outro a seguir...e todos os dias do resto da nossa vida. O mais difícil é o aprender a viver sem uma parte de nós, sem um ente querido. è a saudade, o desespero, a falta que sentimos...
No meu caso, as saudades de mim...daquilo que fui e que não volto a ser.
E tal como num qualquer outro luto, temos que seguir em frente. E isso é de facto o mias difícil Ninguém nos diz como, nem nos prepara, por mais fisioterapia e terapia ocupacional que se faça.
E como se leva? Não leva.
E como se ultrapassa? Não ultrapassa.
Vive-se um dia de cada vez. reaprende-se a viver, tentando conviver com o estranho que nos olha no espelho. Aquele que não conhecemos. Aquilo que nasceu em nosso lugar, e que nos leva a repensar tudo o que passámos a vida a aprender sobre nós próprios.
è uma viagem nova e constante ao interior de cada um de nós. é termos a capacidade de nos virar do avesso. E sobretudo termos a consciência que não se ultrapassa. Nunca.
Se fiz o meu luto? Não, não fiz...
Mas sei que mais cedo ou mais tarde o terei que fazer.