domingo, 21 de fevereiro de 2010

Desabafo II

E já agora, alguém me explica como querem integrar os deficientes e depois todos os materiais que servem para que possamos funcionar como os demais são tão caros que não há orçamento familiar que aguente? Como posso comprar uma cadeira de verticalização que me custa mais de cinco mil euros, com empréstimo há habitação, empréstimo para carro, 4 filhos a estudar...como posso comprar um carro adaptado, se nem tenho reforma? E almofadas anti-escaras? E como posso sair de casa e "distrair-me" se não tenho acesso aos transportes públicos?
Será que uns sapatos normais custam para cima de 2000 euros? Uma cadeira de rodas não são os meus sapatos? Afinal, onde está a igualdade? Como posso fazer compras se não chego às prateleiras dos supermercados, ou não consigo entrar nas lojas?
E já agora alguém me explica porque só aparecem a ser entrevistados na televisão os casos de "sucesso", ou seja, aqueles que ultrapassaram e andaram para a frente porque tinham dinheiro que sustentasse os preços absurdos dos materiais de adaptação e integração?
Realmente, o meu sonho não é fazer mergulho, ou pilotar um avião, é comprar uma cadeira de verticalização que me permita chegar aos móveis...
Percebem agora a minha depressão, a minha raiva constante , a minha irritação?
É fácil seguir em frente com meios de suporte...a maior parte das pessoas não o têm, e não sou só eu...

Desabafo...

Estou deprimida...profundamente deprimida...não sei como descreverão os psicólogos e os psiquiatras o meu estado actual, mas para mim estou deprimida...esgotei.
Só me apetece estar em silêncio, envolta pela segurança da escuridão e da solidão...
Analisem como quiserem, mas é assim que quero estar. Por mais que o tente explicar aos meus amigos, parece que falo para estranhos que não o percebem. As pessoas têm necessidade de intervir quando sentem que os entes queridos não estão bem, mas por mais bem intencionadas que sejam, não percebem que é uma intervenção forçada, como as daquela série os "Irmãos e irmãs", que Tem uma mãe que passa a vida a viver para os filhos e para a família, e os irmãos a interferir e a invadir a privacidade uns dos outros...
Por mais que goste da série, a mim irrita-me solenemente esse tipo de comportamento.
Se eu digo que não me apetece falar, respeitem-me...se eu digo que hoje não estou cá, respeitem-me. Por muito que custe...é egoísmo não perceber que há viagens que temos que fazer sozinhos, no nosso interior...
"E então, se necessitas de estar sozinha, porque escreves a uma escala global?", perguntam vós e muito bem...
Porque já não sei mais como gerir isto, e como não consigo gritar, escrevo. Escrevo para manter a minha sanidade, porque estou cansada de explicar sistematicamente isto mesmo a quem me rodeia.
No outro dia, eu li algo de Chico Buarque, fantástico, a propósito, sobre a solidão...e que no fim do texto todo dizia que solidão é perdermo-nos de nós próprios...
E é isso mesmo.
Eu perdi-me se mim própria e não me consigo encontrar.
Não me dêem palavras de inspiração, nem me façam festas na cabeça a dizer que vai ficar tudo bem...
Esta é a minha maior viagem, é o meu Everest...e eu não estou a conseguir lá chegar. Preciso de espaço, preciso de tempo, preciso de mim...

De boas intenções está o inferno cheio...

"TEXTO DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N.º 9/2007
A existência de barreiras no acesso ao meio físico edificado e às tecnologias da informação e das comunicações representa um grave atentado à qualidade de vida dos cidadãos com mobilidade condicionada ou com dificuldades sensoriais, pelo que a respectiva eliminação contribuirá decisivamente para um maior reforço dos laços sociais, para uma maior participação cívica de diversos segmentos populacionais e, consequentemente, para um crescente aprofundamento da solidariedade entre os indivíduos num estado social de direito.
A Constituição da República Portuguesa atribui ao Estado a obrigação de promover o bem estar e qualidade de vida do povo e a igualdade real e jurídico-formal entre todos os portugueses [alínea d) do artigo 9.º e artigo 13.º], bem como a realização de «uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais e tutores» (n.º 2 do artigo 71.º).
Por seu turno, a Lei de Bases da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação das Pessoas com Deficiência (Lei nº38/2004, de 18 de Agosto), na alínea d) do seu artigo 3.º, estabelece que incumbe ao Estado «a promoção de uma sociedade para todos através da eliminação de barreiras e da adopção de medidas que visem a plena participação da pessoa com deficiência».
Neste sentido, o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade (PNPA) procede à ordenação e sistematização de um conjunto de medidas que o XVII Governo Constitucional pretende levar a cabo, visando a construção de uma rede global, coerente e homogénea em matéria de acessibilidades, susceptível de proporcionar às pessoas com mobilidade condicionada, ou dificuldades sensoriais, condições iguais às dos restantes cidadãos.
O conjunto de medidas inserido no PNPA visa, assim, possibilitar a este segmento populacional uma utilização plena de todos os espaços públicos e edificados, mas também dos transportes e das tecnologias de informação, o qual irá proporcionar um aumento da sua qualidade de vida e a prevenção e eliminação de diversas formas de discriminação ou exclusão.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
  1. Aprovar o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade, publicado em anexo à presente resolução e que dela faz parte integrante.
  2. Atribuir ao Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD) competência para acompanhar e dinamizar a execução das medidas constantes do Plano.
  3. Determinar que a resolução do Conselho de Ministros entre em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação até ao final do ano de 2015, ficando o SNRIPD responsável por apresentar ao membro do Governo com competências na área da deficiência, no termo de cada ano civil, um relatório relativo à execução das medidas constantes do Plano."
E agora, digo eu, onde estamos actualmente, meus senhores? Continuo sem poder sair de casa, continuo sem acesso aos edifícios públicos, continuo sem acesso aos meios de transporte colectivo...continuo sem acesso a à minha dignidade!